sábado, 25 de janeiro de 2014

Cinderela

Decidi postar um texto que escrevi há algum tempo atrás, falando dos meus devaneios sentimentais, de esperanças e de uma série e de um filme muito especiais. Sou sonhadora, fazer o quê. O fundo melancólico de tudo é ver tanto sofrimento rodeando o mundo, tantas pessoas incríveis desprezadas e esquecidas e tanto hipocrisia aplaudida. Gosto de pensar num lugar-mundo só meu, só com as pessoas que são boas e que não ferem de propósito. Como a Utopia, de Thomas Moore, fazem parte apenas de meus devaneios solitários...

Há dias estou a fim de descrever miúdas percepções românticas de uma minissérie que vi esses dias: Hilda Furacão. O figurino é impecável, o enredo envolvente, o personagem de Hilda - a prostituta - é forte, é livre, é orgulhoso. O frei, Malthus, é torturado, é belo (como só um Rodrigo Santoro conseguiria...). Ele possui uma face desesperadoramente pia, singela e cheia de amor inocente, nunca dedilhado...até Hilda. Cada minuto vidrei nas cenas de amor, de ódio, de política comunista e reacionário do Brasil dos anos 1950-60. Não gostei tanto do fim...apesar de que no livro eles não ficam juntos, na minissérie paira no ar...eles se desencontram no dia da fuga para ficarem juntos, mas se reencontram quatro anos depois, ficam se olhando de perto...e acaba. Ou seja, ficaram juntos (?). Ao menos é o que deseja o ávido olhar do desesperado telespectador - no caso, eu - que viu todos os segundos do martírio do piedoso frei e da orgulhosa meretriz de família rica e casta. Incrível.

O que quero falar, além da inocente beleza esbanjada pelo Santoro e viçosa pele de Ana Paula Arósio, é do mito da Cinderela. Boa parte da trama se desenrola pelo sapato perdido pela Hilda na chuva - fatalmente encontrado pelo frei Malthus e guardado dali para a frente como diamante, em relicário feito de pano de linho. O amor dele se desenvolve na lembrança do sapato, um pedaço de suas memórias de tormento e loucura amorosa - causando-lhe severas punições pela Igreja. Em seu próprio corpo. É tão cruel e tão limpo... é um personagem que tem povoado minha mente esses dias, tal sua densidade encarnada em um rosto jovem e casto. Diria até - atrevida - que é o homem ideal. Aquele que a uma quer, e só a ela. Mesmo que ela seja a mais impura das mulheres.


Sapato perdido de Hilda e frei Malthus ao fundo
E há o Ever After, ou Para Sempre Cinderella, o filme de que mais gosto. E que, obviamente, tem lá como figurante o sapatinho perdido, igualmente tido como objeto do amor a ser buscado. Filme tão perfeito quanto Hilda Furacão, mas com a diferença de ter um final efetivamente feliz, com casamento, beijo, tudo. Nem um pouco subliminar, já que Hilda dá a entender que ficarão juntos, mas não mostra. São Tomé deve ter se entranhado em mim. Não. É que tenho especial apreço por finais felizes. O mundo é cor de rosa para mim, por mais que o pintem continuamente de cinza chamuscado. E me dói um pouco ver filmes com finais tristes. Ou mundos reais com finais infelizes. Não, não dá.


Sapato de cristal de Cinderella, do filme Ever After

Talvez meu sapato perdido já tenha sido encontrado - por um plebeu, um frei, quem sabe; um intelectual ou um mártir. Ou um homem simples. E talvez as memória desse amor velado caiam ante o atemporal poder de olhar o que se ama e se deseja e se quer bem - acima de tudo, acima da Igreja, acima das infelicidades desse mundo rosa com bordas chamuscadas.

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